Ao dedicarmos uma maior
atenção ao estudo da Parábola do Semeador, logo percebemos a necessidade de
esclarecer algumas dificuldades na interpretação da referida parábola. Ela, sem
dúvida alguma está entre as mais conhecidas, tem um papel fundamental nos
evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), mas é considerada pelos eruditos
uma parábola difícil.[1] Partiremos das observações
feitas por Snodgrass, para analisarmos tais dificuldades.
1 – Em Marcos 4.10-12 temos
uma fundamentação bíblica para a dupla predestinação, conforme ensina o
calvinismo?
Em Marcos 4.10-12 lemos:
Quando
se achou só, os que estavam ao redor dele, com os doze, interrogaram-no acerca
da parábola. E ele lhes disse: A vós é
confiado o mistério do reino de Deus, mas aos de fora tudo se lhes diz por
parábolas; para que vendo, vejam, e não percebam; e ouvindo, ouçam, e não
entendam; para que não se convertam e sejam perdoados.
Em primeiro lugar, é
necessário considerar a citação feita ao texto de Isaías 6.9, 10 em Marcos
4.12. Ao profetizar para os seus contemporâneos, a pregação de Isaías faria com
que os seus corações se endurecessem mais ainda contra o Senhor. Não é Deus que
procura se opor à conversão e ao arrependimento, mas as próprias pessoas com
uma resistência obstinada.
Os que ficam de fora, para
quem a parábola permanece um mistério, e assim produzindo a impossibilidade de
arrependimento e conversão, são os que não possuem a boa vontade em ouvir e
obedecer a mensagem de Jesus. Tal realidade é encontrada também em Mateus
11.25,26; Lucas 10.21-22; 19.41,42. Em resumo:
Nenhuma
dessas passagens nem Marcos estão tratando de alguma espécie de “endurecimento
divino” e, seguramente, não estamos falando de ideias acerca da predestinação.
A ênfase está colocada na responsabilidade humana e na boa vontade em ouvir e
não reproduzir o modelo da recusa de Israel em ouvir os mensageiros de Deus
(cf. 12.1-12). As pessoas se colocam do lado de dentro ou de fora de acordo com
a resposta que dão à mensagem e a sua posição não está permanentemente
determinada.[2]
O efeito da Palavra depende de
quem a ouve. Qualquer pessoa pode se voltar para Deus, dessa forma não existe
um grupo para quem foi concedido e outro para quem não foi.[3] O semeador deve plantar indiscriminadamente,
mas os ouvintes devem assegurar-se de serem solo fértil, capaz de receber e
cultivar a semente, que é a Palavra de Deus.[4] Para Pohl:
Naturalmente,
a palavra de Isaías a princípio é dura. Mas de forma alguma ela ensina que uma
parte dos ouvintes da pregação está condenada aleatoriamente, sem motivo.
Isaías não está pregando a páginas em branco, mas a um povo obtuso como um boi
ou um jumento (Is 1.3).”[5]
Na nota de rodapé da Bíblia de
Estudo Pentecostal, sobre Marcos 4.3 lemos: “A conversão e a frutificação
espiritual dependem de como a pessoa se porta ante a Palavra de Deus (v. 14;
cf. Jo 15.1-10).”[6]
A qualidade da terra decide sobre o rendimento da semente.[7] A resposta humana diante
da graça preveniente de Deus é o fator aqui descrito na parábola.
Contra a ideia de que uma
misteriosa vontade de Deus teria destinado uma parte da humanidade à perdição
(teoria do endurecimento)[8], em linha com as Sagradas
Escrituras, a Declaração de Fé das Assembleias de Deus afirma:
[...]
Por conseguinte, a salvação está disponível a todos os que creem. Sim, todos
nós, sem exceção, podemos ser salvos através dos méritos de Jesus Cristo, pois
todos nós fomos criados à imagem de Deus. O Soberano Deus não predestinou
incondicionalmente pessoal alguma à condenação eterna, mas, sim, almeja que
todos, arrependendo-se, convertam-se de seus maus caminhos.[9] (Tt 2.11; At 17.30)
O propósito das parábolas de
Jesus é sempre o de esclarecer, tornar compreensiva a mensagem do Evangelho,
gerando assim oportunidade de transformação espiritual, mental e comportamental,
ou seja, realizar uma mudança integral no homem integral.
2 – Como compreender
culturalmente a semeadura descrita na parábola?
Uma dificuldade no aspecto
cultural encontrado na Parábola do Semeador se relacionado ao modo como a
semeadura é narrada no texto. Aos olhos das técnicas e práticas agrícolas
modernas, o semeador parece ser um pouco negligente ou desleixado. Tal
dificuldade cultural é explicada, entendendo-se que o procedimento descrito na
parábola era normal, onde a semeadura precedia a aradura:
[...]
a semeadura é feita com mais frequência antes da aradura, salvo no caso da
semeadura tardia, na qual ocasionalmente, a aradura é feita tanto antes como
depois da semeadura. [...] em qualquer caso, depois da semeadura a semente é
arada para dentro do solo.[10]
Rienecker comenta que:
Poderíamos,
agora, criticar o semeador por ter semeado com pouca destreza, porque tantos
grãos se perderam. É preciso saber que na Palestina se semeia antes de lavrar.
O semeador da parábola, portanto, caminha pelo terreno não lavrado.
Intencionalmente semeia sobre o caminho que os moradores da aldeia pisaram no
chão, porque o caminho será lavrado também. De propósito a semente é lançada
entre os espinhos, porque também eles serão tombados. Tampouco causa estranheza
que as sementes caiam sobre rochedos, pois a rocha ficará visível sob a fina
crosta de terra somente depois que a lâmina do arado a arranhar. Desse modo
desfaz-se a crítica da inabilidade do semeador, porque o método de trabalho do
oriental é diferente da do europeu.[11]
Ainda se argumenta que não se
sabe se a aradura vinha antes nesse caso da Parábola do Semeador, e não se deu
ênfase na narrativa a esse aspecto. Não há detalhes desnecessários nas
parábolas.[12]
Ainda contribuindo com o entendimento da narrativa:
Um agricultor
não semearia de modo intencional em um caminho; entretanto, ocasionalmente,
algumas sementes poderiam cair ao longo dele. O fato de algumas sementes terem
caído junto aos espinhos poderia significar que a semente foi semeada no meio
de espinheiros ressecados do ano interior que serão arados para baixo da terra,
ou poderia simplesmente ser uma forma breve de expressar que a semente foi
semeada em um campo arado onde os espinhos posteriormente crescerão. Nenhuma
tentativa foi feita para explicar o motivo por que os pássaros comeram somente
as sementes que caíram à beira do caminho, e não as semeadas no campo, mas se,
como indicam as evidências, a pessoa que arava vinha logo após a que semeava, a
semente no campo teria sido coberta antes de os pássaros poderem tê-la
alcançado. No fim das contas, entretanto, essas perguntas não são importantes
para a compreensão da parábola.[13]
Em minhas pesquisas, somente
MacArthur fala do campo arado antes do plantio naquele contexto.[14]
Com as explicações aqui colocadas,
passa-se a compreender melhor os aspectos culturais da semeadura, para assim
caminharmos no sentido de interpretar a parábola, e aplica-la à nossa
realidade.
3 – A Interpretação da
Parábola do Semeador
O semeador aponta para o
próprio Jesus, podendo também ser aplicado ao Espírito Santo e a todos os
cristãos, que devem ser prudentes, orando por oportunidades e lugares para
semear com diligência, perseverança, semeando a tempo e fora de tempo,
consagrado, cordial e ousado.[15]
A semente é a Palavra de Deus,
a mensagem do evangelho, pura em sua essência, e sem a necessidade de métodos
ou apelos bizarros em sua proclamação. Sobre isso MacArthur escreve:
Os
evangélicos adotam constantemente todo o tipo de métodos bizarros e não
bíblicos, porque acreditam que conseguem assim provocar uma reação melhor nos
corações endurecidos, superficiais e mundanos. Alguns alteram a semente ou
fabricam semente sintética. Tentam atualizar a mensagem, amenizam o escândalo
da cruz, deixam as partes difíceis ou impopulares para lá. Muitos simplesmente
substituem o evangelho por uma mensagem completamente diferente.[16]
Apesar de existir semente
estragada, adulterada e imprópria para o plantio, ela deve ser descartada. A
tarefa de um agricultor inicia com a escolha da semente e o cuidado com a sua
qualidade.[17]
É óbvio que existem métodos de
evangelização nos dias atuais, que em razão dos recursos tecnológicos modernos
não se encontram na Bíblia, como por exemplo usar as redes sociais, mas o
princípio se encontra. Pode se falar hoje de uma semeadura online, sem
negligenciar a semeadura presencial.
A ênfase da parábola está nos
tipos de solo onde cai a semente. Para Snodgrass: “A única variável que
determina o sucesso ou fracasso está na terra sobre a qual a semente cai. [...]
A ênfase precisa recair sobre a receptividade e as condições do solo [...] A
parábola dá ênfase tanto a receptividade quanto à geração de fruto”.[18]
Conforme Lockyer:
Os
diferentes solos a que a parábola chama a atenção, são os traços que se
destacam. A atenção é focalizada não no semeador ou na sua semente, mas no solo
e sua reação à semente plantada. [...] A semente plantada nos quatro solos foi
a mesma; mas que enorme diferença de resultados. Isso é a chave da parábola, e
é assim “porque trata compreensivelmente da verdade fundamental, qual seja a
proclamação do evangelho aos pecadores.[19]
A compreensão correta na
ênfase da parábola, que recai sobre os solos (os ouvintes), nos leva para
algumas considerações finais.
Na condição de semeadores,
tudo que precisamos fazer é semear, considerando a postura esperada de um
semeador já citada acima. Está acima do poder do semeador fazer a semente
brotar e dar fruto. O único objetivo do semeador é semear a semente genuína,
deixando o Espírito Santo fazer o seu trabalho nos ouvintes receptivos.
A mensagem do Evangelho,
apesar das indiferenças e oposições, sempre encontrará, em todas as épocas e
lugares alguém disposto a recebê-la. Não devemos nos desanimar com os aparentes
insucessos ou fracassos, nem nos responsabilizarmos por eles, na medida em que
cumprimos na direção e no poder do Espírito, e segundo as Escrituras, a nossa
missão.
[1]
SNODGRASS, Klyne. Compreendendo todas as Parábolas de Jesus. Rio de Janeiro:
CPAD, 2010, p. 219-220.
[2]
Ibid., p. 244.
[3]
STERN, David H. Comentário judaico do Novo Testamento. São Paulo: Atos, 2008,
p. 73-74.
[4]
ADEYEMO, Tokunboh. Comentário Bíblico Africano. São Paulo: Mundo Cristão, 2010,
p. 1164.
[5]
POHOL, Adolf. Evangelho de Marcos: Comentário Esperança. Curitiba-PR:
Esperança, 1998, p. 157.
[6] Bíblia
de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p. 1468.
[7]
BRAKEMEIER, Gottfried. As parábolas de Jesus: Imagens do Reino de Deus. São
Leopoldo: Sinodal, 2016, p. 50.
[8]
POHL, Adolf. Ibid.,p. 154.
[9]
Declaração de Fé das Assembleias de Deus. 2. Ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, p.
110.
[10]
SNODGRASS, Klyne. Ibid., p. 249.
[11]
RIENECKER, Fritz. Evangelho de Mateus: Comentário Esperança. Curitiba-PR:
Esperança, 1998, p. 217.
[12] SONODGRASS,
Klyne. Ibid.
[13]
Ibid.
[14]
MACARTHUR, John. As parábolas de Jesus. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2018,
45.
[15]
LOCKYER, Herbert. Ibid., p. 196
[16] MACARTHUR,
John. Ibid., p. 55.
[17]
BRAKEMEIER, Gottfried. Ibid., p.55.
[18]
SNODGRASS, Klyne. Ibid., p. 252, 261.
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