O conceito de pentecostalismo
clássico, e consequentemente as denominações que se enquadram nesta
classificação, tem sido motivo de discussões e discordâncias dentro do próprio
Movimento Pentecostal. Tentaremos aqui dar uma contribuição para o entendimento
dos motivos da falta de consenso sobre a questão.
O
Pentecostalismo
Em primeiro lugar,
iniciaremos trazendo algumas definições de “pentecostalismo”. No Dicionário do Movimento
Pentecostal, no verbete “pentecostalismo” lemos que é a crença segundo a qual o
falar línguas estranhas (glossolalia) ocorrido com os discípulos de Jesus no
dia de Pentecostes, em Jerusalém (At 2.1-3), pode ser experimentado por todos
os crentes na atualidade, por meio do batismo no Espírito Santo, os quais podem
buscar e praticar dons espirituais (1 Co 12.1-11). Os pentecostais, diferentemente
dos protestantes históricos, acreditam que Deus, por intermédio do Espírito Santo,
em nome de Jesus Cristo, continua a agir hoje da mesma forma que no
cristianismo primitivo, através de milagres, curas, dons espirituais e outras
manifestações de poder sobrenatural. Os pentecostais enfatizam uma experiência
pós-conversão conhecida como “batismo no Espírito Santo”, acompanhada da
manifestação dos dons espirituais (ou charismata). Os dons que foram mais enfatizados
pelos antigos pentecostais eram o falar em línguas e os dons de curar.[1]
Em seu estudo sobre o
avivamento pentecostal, David B. Barrett afirma que a maior característica dos
pentecostais é a descoberta de uma nova experiência sobrenatural com um
ministério poderoso e renovador do Espírito na esfera dos milagres, que a maioria
dos outros cristãos consideram bastante incomum. Os dons espirituais do Novo
Testamento são redescobertos e sua restauração na vida cristã comum e no
ministério. As denominações pentecostais defendem que todos os cristãos devem
buscar o batismo no Espírito Santo. Surgido nos Estados unidos, em 1901 (há
discordâncias entre os pesquisadores sobre data e lugar), pretendia permanecer
como movimento interdenominacional, sem provocar o aparecimento de novas
denominações.[2]
Em sua maior parte, a teologia
pentecostal encaixa-se confortavelmente nos limites do sistema evangélico.[3]
O avivamento pentecostal mundial
é classificado por Barrett em três ondas, onde a primeira onda é a renovação
pentecostal, a segunda onda a renovação carismática, e a terceira onda a
renovação neocarismática (ou neopentecostal).[4]
O
Pentecostalismo Clássico
Conforme o Dicionário do
Movimento Pentecostal, o termo “pentecostalismo clássico” foi primeiramente
usado nos Estados Unidos, por volta de 1960, para fazer a distinção entre as
primeiras igrejas pentecostais, surgidas no início do século 20, das igrejas
neopentecostais, formadas dentro das igrejas protestantes históricas e da
igreja católica romana, que foram logo chamadas de “carismáticas”. Antes das
neopentecostais, eram simplesmente chamadas de “igrejas pentecostais”.[5] Em vez de “clássico”,
alguns autores utilizam os termos “tradicional” e “histórico”.[6] O pentecostalismo clássico
é também chamado de “a primeira onda pentecostal”.[7] Com uma ênfase histórica,
a Congregação Cristã no Brasil (1910) e as Assembleias de Deus (1911) formam o
pentecostalismo clássico brasileiro.[8]
Embora o termo “clássico”
possa restringir-se à ideia de antiguidade e pioneirismo histórico dessas
igrejas e denominações, ele pouco esclarece sobre as igrejas que nomeia, e nem
revela suas semelhanças e distinções internas.[9] O ensino da “evidência
inicial” é o ponto central da teologia da maioria das igrejas pentecostais
clássicas em todo o mundo. Este ensino enfatiza que o falar em outras línguas é
o primeiro sinal para se saber que alguém de fato recebeu o batismo no Espírito
Santo.[10] Esse fato colabora para a
impossibilidade de se falar de “uma” matriz teológica do pentecostalismo
clássico, devido a sua diversidade.[11]
Segundo Barrett, o
procedimento comum nos Estados Unidos para diferenciar o pentecostalismo do
movimento carismático, é rotular todo o pentecostalismo denominacional do mundo
pelo termo paralelo ou sinônimo “pentecostalismo clássico”. Em seus estudos,
Barrett classifica de pentecostalismo clássico o de origem branca, por ser uma
forma mais organizada e articulada, diferente do pentecostalismo de origem
negra.[12]
O pentecostalismo
clássico faz parte da primeira onda do avivamento pentecostal, surgida no meio
dos escravos negros nos Estados Unidos; do avivamento evangelical (wesleyano)
de 1738, na Grã-Bretanha; do movimento holiness
(perfeccionista), que alcançou projeção universal com grande difusão de línguas
e de outros fenômenos pentecostais. Outros estudiosos, diferentemente de
Barrett, citam 1904 (avivamento galês) e 1906 (Rua Azusa) pelos mesmos motivos.[13]
Já em seus primórdios,
alguns fatores doutrinários e teológicos dividiram os grupos pentecostais.
Entre esses fatores, pode-se citar o falar em línguas como evidência física (ou
exterior) do batismo no Espírito Santo. Foi Charles F. Parham (1873-1929) quem
primeiro formulou uma clara “doutrina da evidência inicial”.[14] A hesitação entre alguns pioneiros em aceitar
as línguas como evidência inicial do batismo no Espírito Santo está claramente
demonstrado pelo fato de que o documento Fé
Apostólica, de 1908, não chama exatamente de evidência o falar em línguas,
mas “um dos sinais que seguem os homens e mulheres cheios do Espírito.[15] William Seymour (1870-1922),
apesar de inicialmente ter aceitado e promovido o ensino de Charles F. Parham
sobre as línguas como a evidência inicial do batismo no Espírito Santo, após um
mal-estar gerado pelas duras críticas de Parham ao modo como as reuniões na Rua
Azusa eram conduzidas, começou a mudar a sua posição, e passou a afirmar que falar
em línguas deveria ser considerado “um dos sinais” que acompanhavam o batismo
do Espírito Santo, mas não a “evidência verdadeira” do batismo do Espírito na
vida cotidiana de uma pessoa.[16]
Depois, temos também a
questão da doutrina da “obra consumada” propagada por William H. Durham (1873-1912),
de tradição batista, que criou uma ruptura permanente entre os pentecostais. Após
estudos e investigações pessoais sobre o batismo no Espírito Santo com a
evidência inicial do falar em outras línguas, Durham, diferente do que naquela
época era ensinado pelos pioneiros do Movimento Pentecostal, que entendiam ser
o batismo no Espírito Santo a terceira obra da graça, antecedido pela salvação
e pela santificação plena (segunda bênção), uma herança doutrinária wesleyana,
passou a ensinar que o batismo no Espírito Santo seria na realidade a segunda
obra da graça (segunda bênção), e que a santificação acontecia no momento da
salvação.[17]
Os pentecostais batísticos, assim chamados por seguirem as ideias de Durham, são
considerados os principais pentecostais clássicos. A Assembleia de Deus, implantada nos Estados Unidos em 1914, foi a primeira denominação a defender essa ideia.[18]
A terceira grande controvérsia
entre os pentecostais envolveu questões em torno da natureza da Divindade. R. E.
McAlister (1880-1953), num sermão batismal, observou que os apóstolos batizavam
usando o nome de Jesus (At 2.38) ao invés da fórmula trinitariana (Mt 28.19). A
“unicidade” passou a ser enfatizada, ou unidade da Divindade, em contraste com
o conceito cristão ortodoxo de um só Deus em Três Pessoas.[19] No Concílio Geral das
Assembleias de Deus dos Estados Unidos, realizado em 1916, em St. Louis, 156
pastores se desligaram da organização, e foram em busca de outra estrutura, onde
pudessem manter-se fiéis às suas crenças unicistas.[20]
Nos estudos de Barrett
aparecem também os “pentecostais apostólicos”, se referindo ao avivamento galês
de 1904, sob a liderança de Evans Robert, citado por escritores europeus como a
origem do movimento pentecostal no mundo. Os apostólicos enfatizam a complexa
hierarquia de apóstolos, profetas e outros líderes carismáticos.[21]
Diante das definições de
pentecostalismo clássico que se encontram no Dicionário do Movimento
Pentecostal e nos dos estudos de David Barrett, pode-se observar que o fator
histórico é o que predomina para esta conceituação. Dessa forma, o pentecostalismo
clássico é visto com um dos “pentecostalismos” da primeira onda. O fator doutrinário-teológico
distintivo do falar em línguas como a evidência física (externa) inicial do
batismo no Espírito Santo é citado, mas não como fator determinante da classificação
“pentecostais clássicos”, apesar de ser professado e vivenciado pela maioria das
igrejas pentecostais clássicas.
O
Pentecostalismo Clássico sob outras perspectivas
Quando se investiga
outras literaturas produzidas por eruditos pentecostais, logo se percebe que a
ideia de “pentecostalismo clássico” é vista por uma outra perspectiva, onde a
questão doutrinária ganha ênfase diferenciada.
Donald Johns, escrevendo
sobre o batismo no Espírito Santo, diz crer que esta experiência é acompanhada
pelo falar em línguas. Ele afirma que essas “línguas” podem ser usadas como
evidência de que um crente foi batizado no Espírito. A “separabilidade”
(experiência pós-conversão) e o “valor evidencial” do falar em línguas são dois
princípios distintivos do
pentecostalismo clássico (grifo nosso).[22]
Stanley Horton, um dos
maiores eruditos do Movimento Pentecostal[23], afirma que: “Claramente
as Assembleias de Deus - bem como os outros pentecostais clássicos - reconhecem
duas verdades importantes sobre o batismo no Espírito: (1) é uma experiência
que segue a conversão, e (2) é evidenciado por falar em línguas."[24] Horton não diz “bem como alguns dentre os pentecostais clássicos”,
mas “bem como os outros pentecostais
clássicos” (grifo nosso).
Os posicionamentos de
Stanley Horton e de Donald Johns sobre o pentecostalismo clássico, com ênfase nas
questões doutrinárias, é seguido por outros estudiosos na atualidade. Há quem afirme
com base na ênfase histórica de Barrett, que a ênfase doutrinária aqui citada
seria um posicionamento do pentecostalismo clássico no contexto das Assembleias
de Deus[25], não representando todas
as demais denominações pentecostais clássicas, e consequentemente, não
representando todo o pentecostalismo clássico.
O pentecostalismo
clássico, quer com sua ênfase no aspecto histórico, doutrinário e histórico-doutrinário
(considerando conjuntamente os dois aspectos e ênfases), segue como objeto de
estudo dentro e fora do pentecostalismo no século XXI.
Com o crescente interesse
e avanço das pesquisas em torno do assunto, cremos que não ganharemos somente em
conteúdo histórico-doutrinário, mas também na crescente busca e vivência de um
pentecostalismo que concilie poder e saber, experiência e teologia.
Altair Germano. Pastor, escritor, teólogo e
pedagogo.
[1] ARAUJO,
Isael de. Dicionário do Movimento
Pentecostal. CPAD: Rio de Janeiro, 2007, p. 567.
[2] BARRETT,
David B. O avivamento mundial do Espírito. In: SYNAN, Vinson. O século do
Espírito Santo: 100 anos do avivamento pentecostal e carismático. Tradução de
Judson Canto. São Paulo: Editora Vida, 2009, p. 520.
[3] RAILEY
Jr. James H; AKER, Benny C. Fundamentos teológicos. In: HORTON, Stanley (Ed.). Teologia
Sistemática: uma perspectiva pentecostal. 11. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008,
p. 55.
[4] BARRETT,
ibid., p. 501.
[5]ARAUJO,
ibid., p. 568.
[6] Ibid.
[7]
Paul Freston, por exemplo, afirma que o pentecostalismo brasileiro pode ser
compreendido em três ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é a
década de 1910, com a chegada quase simultânea da Congregação Cristã e da
Assembleia de Deus. FRESTON, Paul. Breve histórico do pentecostalismo
brasileiro. In: Alberto Antoniazzi (et al.). Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do
pentecostalismo. Petrópolis, RJ: 1996, p. 70.
[8]
ARAUJO, ibid.
[9]
Ibid.
[10]
Ibid., p. 567.
[11]
CARVALHO, César Moisés. Pentecostalismo e
pós-modernidade: quando a experiência sobrepõe-se à teologia. CPAD: Rio de
Janeiro, 2017, p. 303, 308.
[12]
BARRETT, ibid., p. 523-524.
[13]
Ibid.
[14]
HORTON, Stanley M. O avivamento pentecostal: as origens e o futuro do maior
movimento espiritual dos tempos modernos. Tradução de Judson Canto. Rio de
Janeiro: CPAD, 1997, p. 75.
[15] Ibid.
[16]
SYNAN, Vinson; FOX JR. Charles. William
Seymour: a biografia. Tradução de João Costa. Natal, RN: Carisma, 2017, p.
123-124.
[17] Ibid.,
p. 105-106.
[18]
BARRET, ibid., p. 525.
[19]
McGEE, Gary B. Panorama histórico. In: HORTON, Stanley (Ed.). Teologia
Sistemática: uma perspectiva pentecostal. Tradução de Gordon Chown. 11. ed. Rio
de Janeiro: CPAD, 2008, p. 20-22.
[20]
SYNAN, ibid. p. 198.
[21] BARRETT,
ibid., p. 525-526.
[22] JOHNS,
Donald. Novas diretrizes hermenêuticas na doutrina da evidência inicial do
pentecostalismo clássico. In: McGEE, Gary (Ed.). Evidência inicial: perspectivas históricas e bíblicas sobre a
doutrina pentecostal do batismo no Espírito. Tradução de Ícaro Alencar. Natal,
RN: Carisma, 2017, p. 191-192.
[23] Stanley
Horton se formou em línguas bíblicas e Antigo Testamento, no Seminário
Teológico Gordon-Conwell, na Faculdade de Divindade de Harvard, e no Seminário
Batista Central. No decorrer dos anos, Horton começou a demonstrar notável
influência nas Assembleias de Deus mediante os seus ensinos, livros, artigos em
revistas e jornais, e contribuições ao currículo da Escola Dominical para
Adultos. (McGEE, ibid., p. 28).
[24] HORTON, Stanley. Batismo no
Espírito: uma perspectiva pentecostal. In: BRAND, Chad Owen (Org.). Batismo no Espírito Santo: um debate
entre as tradições. Tradução de Valeska Schultz Craus. Natal-RN: Carisma, 2019,
p. 94-95.
[25] Na
Declaração de Fé das Assembleias de Deus aprovada na 43ª Assembleia Geral
Ordinária da CGADB em 26 de abril de 2017, e publicada pela CPAD – Casa Publicadora
das Assembleias de Deus, lemos sobre o batismo no Espírito Santo: “Trata-se de
uma experiência espiritual que ocorre após ou junto à regeneração, sendo
acompanhada da evidência física inicial do falar em outras línguas” (p. 165).
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