O poder da contação de
histórias é indiscutível. Para quem já pôde fazer um curso de pedagogia isso é
ainda mais claro. As parábolas são muito mais do que simples histórias. Como
Mestre dos mestres, Pedagogo dos pedagogos, Jesus nos deixa um exemplo
magnífico do poder das parábolas como instrumento didático no processo
ensino-aprendizagem.
De todas as atividades de
Jesus, a que mais encontramos ele fazendo é ensinando. As parábolas constituem
cerca de 35% dos seus ensinos nos evangelhos sinóticos.[1] A palavra grega parábola
aparece cerca de cinquenta vezes nos Evangelhos Sinópticos.[2] É importante informar que
Jesus não foi a primeira pessoa a fazer uso das parábolas, contudo, seu estilo
é incomparável, com uma clareza e simplicidade sem par, bem como uma maestria
inaudita na construção.[3] Tanto no Antigo
Testamento, como em outros contextos do mundo antigo, as parábolas fazem parte
da cultura popular. Os relatos mais antigos de parábolas datam do século XXIV
a.C.[4]
1 – O que é uma Parábola?
Definir “parábola” tem sido
algo que os estudiosos divergem entre si. Snodgrass afirma que: “Possivelmente
nenhuma definição de parábola se mostrará completamente eficaz, pois toda
definição que seja ampla o suficiente para englobar todas as formas acaba se
revelando tão imprecisa a ponto de se mostrar praticamente inútil.”[5] As parábolas são
instrumentos ou recursos comunicativos para compreensão do seu ensino acerca
dos valores, princípios e demais realidade do Reino.[6] Elas são analogias
ampliadas utilizadas para convencer e persuadir.[7]
A palavra hebraica para
“parábola” é mashal, e designava toda
sorte de linguagem figurada: Parábola, comparação, alegoria, fábula, provérbio,
revelação apocalíptica, dito enigmático, pseudônimo, símbolo, figura de ficção,
tipo, motivo, argumentação, apologia, objeção, piada.[8] Sua correspondente no
grego é parabole, e é geralmente (e
equivocadamente) definida como simplesmente uma ilustração. Seguindo a sua
correspondente no hebraico, parabole
pode significar no Novo Testamento: Comparação (Lc 5.36; Mc 3.23), figura
simbólica (Hb 9.9, 11, 19), provérbio ou máxima (Lc 4.23), enigma (Mc 7.17),
regra (Lc 14.17)[9],
contraste (Lc 18.1-8), alegoria (Mc 4.3-9)[10].
Uma característica fundamental
da parábola está um unir duas coisas diferentes, de forma que uma ajude a
explicar e ressaltar a outra. É um símbolo externo de uma realidade interna.[11] Tratam de falar de
verdades espirituais através de realidades naturais. Vestem de imagens às
abstrações teóricas.
O objetivo último de uma
parábola é despertar uma compreensão mais aprofundada sobre o assunto que
trata, promover uma tomada de consciência e conduzir os ouvintes a uma ação
concreta.
2 – As Parábolas e o Problema
da Alegorização
Após a morte de Jesus as
parábolas sofreram alguns desvios na sua interpretação, sendo tratadas como
alegorias, ou seja, a cada detalhe de uma parábola era atribuído um sentido
especial e profundo. Em razão disso, houve um distanciamento do sentido
original dos ensinos de Jesus por parábolas. Diversos fatores podem ter
contribuído para isto. Dentre os quais estavam o desejo inconsciente de achar
nas palavras simples de Jesus um sentido mais profundo, a influência da
interpretação alegórica helenística com o uso dos mitos, e o judaísmo
helenístico onde a exegese alegórica encontrou espaço.[12]
Alegoria é um gênero literário
que atribui significado simbólico a detalhes textuais.[13] Os que fazem uso da
alegoria falam ou escrevem sobre algum assunto por intermédio de outro,
buscando desvendar sentidos simbólicos, espirituais ou ocultos. Conforme o
método alegórico, o sentido literal e histórico das escrituras é desprezado, e
a cada termo ou acontecimento é dado um significado mais “espiritual”.[14]
A alegorização (ou alegoresis) é a prática interpretativa
de transformar em alegoria aquilo que originalmente não tinha o propósito de
ser alegoria.[15]
O sistema interpretativo alegórico tem suas raízes históricas no pensamento de
Heráclito (540-475) e Platão (427-347). Posteriormente, o famoso judeu Filo de
Alexandria dedicou-se a reconciliar o ensino Moisés nas Escrituras com as
ideias de Platão, passando a usar a alegorese
(método alegórico de interpretação).[16] Esse método influenciou
em maior e menor grau a interpretação bíblica até a Reforma Protestante, onde
houve um rompimento radical a hermenêutica alegórica medieval. Os reformadores
ensinavam que cada texto tem só um sentido, que é o literal, a não ser que o
próprio contexto ou outro texto das Escrituras exijam claramente uma
interpretação figurada ou metafórica.[17]
Lutero classificou as interpretações alegóricas anteriores de tolas, tagarelices admiráveis, absurdas e inúteis. Calvino afirmou ser uma audácia, associada a sacrilégio, mudar precipitadamente a Escritura de qualquer maneira que nos agrade e satisfaça à nossa imaginação.[18] Em resumo, dentre os problemas e perigos que norteiam o método de interpretação alegórico estão: a) O desprezo pelo significado ordinário das palavras, com a especulação de um sentido místico de cada uma delas; b) A intenção do autor é ignorada, sendo inserido na interpretação todo tipo de extravagâncias ou fantasias que um intérprete deseje dar; c) Os métodos válidos, como por exemplo o histórico-gramatical, são rejeitados, e a mente e criatividade do intérprete se tornam a única base interpretativa. A Bíblia deixa de ser a autoridade básica da interpretação; d) Quem usa o método alegórico não possui os meios necessários para provar as suas conclusões. [19]
Lutero classificou as interpretações alegóricas anteriores de tolas, tagarelices admiráveis, absurdas e inúteis. Calvino afirmou ser uma audácia, associada a sacrilégio, mudar precipitadamente a Escritura de qualquer maneira que nos agrade e satisfaça à nossa imaginação.[18] Em resumo, dentre os problemas e perigos que norteiam o método de interpretação alegórico estão: a) O desprezo pelo significado ordinário das palavras, com a especulação de um sentido místico de cada uma delas; b) A intenção do autor é ignorada, sendo inserido na interpretação todo tipo de extravagâncias ou fantasias que um intérprete deseje dar; c) Os métodos válidos, como por exemplo o histórico-gramatical, são rejeitados, e a mente e criatividade do intérprete se tornam a única base interpretativa. A Bíblia deixa de ser a autoridade básica da interpretação; d) Quem usa o método alegórico não possui os meios necessários para provar as suas conclusões. [19]
Os intérpretes que fizeram ou
fazem uso do método alegórico se tornam reféns de sua própria subjetividade
interpretativa.
No final do século XIX, Adolf
Jülicher (1857-1938), um estudioso alemão e exegeta bíblico, rejeitou a
alegoria ou a alegorização de modo contundente. Em sua obra “História da
interpretação das parábolas de Jesus”, publicada em dois volumes em 1888-89, ele
trava uma guerra contra a alegorização, chegando a ir para um outro extremo
sobre a questão, reduzindo os ensinos de Jesus através das parábolas como um
moralismo piegas a respeito deste mundo, ou máximas religiosas gerais.[20] Ele espanou de sobre as
parábolas uma espessa camada de pó colocada sobre elas através da alegorização,
mas deixou a principal tarefa por fazer, que era tentar reobter o sentido
original das mesmas.[21] Ainda que a rigidez
unilateral de sua tese possa ser questionada, ela colaborou para a necessidade
de buscar na interpretação das parábolas o verdadeiro sentido do texto.[22]
Em termos práticos, um exemplo
da aplicação do método alegórico nas parábolas pode ser visto, por exemplo, em
Agostinho, quando na parábola do Bom Samaritano (Lc 10.30-37), o homem
moribundo é Adão, Jerusalém é a cidade celestial, Jericó representa o caráter
mortal da humanidade, os ladrões são o Diabo e seus demônios, o sacerdote e o
levita são o sacerdócio e ministério do Antigo Testamento, o bom samaritano é
Cristo, as cicatrização das feridas é a restrição ao pecado, o azeite e o vinho
são o consolo da esperança e o incentivo à obra, o jumento é a encarnação, o
abrigo é a igreja, o dia seguinte é o período posterior a encarnação de Cristo,
a pessoa que cuida do abrigo é o apóstolo Paulo e os dois denários são os dois
mandamentos de amor e a promessa desta vida e da vida porvir.[23]
Certa vez, um pregador
discorrendo sobre o homem rico e o mendigo Lázaro (Lc 16.19-31), disse que o
homem rico representava o jornalista e empresário Roberto Marinho (1904-2003), o
mendigo seria a igreja, as chagas do mendigo os escândalos da igreja e os
cachorros que lambiam as chagas do mendigo a Rede Globo de televisão. De fato,
temos aqui uma fértil imaginação, mas totalmente desprovida do sentido real do
texto bíblico. A alegorização continua presente em nossos púlpitos, usada e
abusada por pregadores e ensinadores sem compromisso com os princípios válidos
da interpretação bíblica, ou ignorantes a tais princípios, destituídos ou
afastados da iluminação do Espírito que coopera com o intérprete e expositor
das Escrituras.
3 – Como Interpretar as
Parábolas de Jesus?
O estudo sobre as parábolas
requer muita atenção para que não se incorra nos erros conceituais e
interpretativos das mesmas. Apesar de parecer muito simples e claras, as
parábolas possuem algumas particularidades linguísticas, culturais e
contextuais que não devem ser desprezadas ou ignoradas.
Um procedimento interpretativo
não pode extrair da parábola uma teologia alheia à intenção de Jesus. As
parábolas estão entre as histórias mais abusadas e desfiguradas das quais já se
ouviu falar, e têm sido manipuladas a fim de servirem a todo tipo propósito na
área teológica, política, social e pessoal.[24] Já no início do primeiro
século as parábolas sofreram certos desvios na sua interpretação.[25] Elas têm sofrido bastante
com as várias interpretações errôneas.[26]
Jesus falou a homens, a partir
do momento para o momento. Cada uma de suas parábolas tem um lugar histórico
determinado na sua vida. Tentar reobtê-lo é a tarefa do leitor e intérprete. O
que Jesus quis dizer nesta ou naquela hora determinada? Vale a pena fazer estas
perguntas, para tanto quanto possível chegarmos ao sentido original das
parábolas de Jesus.[27]
Envolver-se em interpretação
presume que há, de fato, um significado correto e um significado incorreto de
um texto, e que devemos ter cuidado para não interpretarmos errado esses
significados.[28]
Interpretar, conhecer o
significado real das parábolas e da Bíblia como um todo é fundamental para
descobrir sua mensagem para os nossos dias. Se descartarmos a importância da
hermenêutica e da exegese nesse sentido, estaremos negligenciando um
procedimento indispensável do estudo bíblico e deixando de nos beneficiar com
isso.[29] Exige-se do bom
intérprete que ele aprenda as regras da hermenêutica bem como a arte de
aplica-las.[30]
A hermenêutica pode ser
definida como a ciência e arte de interpretação bíblica. Já a exegese é a
aplicação dos princípios hermenêuticos para chegar-se a um entendimento correto
do texto. Refere-se a ideia de que o intérprete está tentando derivar seu
entendimento do texto, em vez de impor o seu entendimento ao texto (eisegese).[31] A hermenêutica e a
exegese não dispensam a cooperação da oração e da iluminação do Espírito na
compreensão da verdade bíblica, do sentido do texto, antes, coopera
fundamentalmente nesse processo.
Na interpretação das
parábolas, algumas regras e princípios que se aplicam também aos demais textos
e gêneros literários bíblicos precisam ser observados.
Para Oliveira, há quatro coisas que devemos ter em mente se desejamos compreender as parábolas de Cristo. São elas: a) As parábolas nos Evangelhos estão relacionadas com Cristo e seu Reino; b) As parábolas devem ser estudadas à luz do lugar e da época a que se relacionam; c) Observe a explicação das parábolas dadas pelo próprio Jesus; d) Compare os ensinamentos apresentados na parábola com todo o contexto das Escrituras.[32]
Para Oliveira, há quatro coisas que devemos ter em mente se desejamos compreender as parábolas de Cristo. São elas: a) As parábolas nos Evangelhos estão relacionadas com Cristo e seu Reino; b) As parábolas devem ser estudadas à luz do lugar e da época a que se relacionam; c) Observe a explicação das parábolas dadas pelo próprio Jesus; d) Compare os ensinamentos apresentados na parábola com todo o contexto das Escrituras.[32]
As sugestões de Plummer são as
seguintes: a) Determine os pontos principais da parábola; b) Reconheça imagens
típicas nas parábolas; c) Note detalhes impressionantes e não esperados; d) Não
tente encontrar significados em todos os detalhes; e) Preste atenção ao
contexto histórico e literário da parábola.[33]
Os princípios interpretativos
para as parábolas apresentados por Virkler são: a) Análise histórico-cultural e
contextual; b) Análise léxico-sintática; c) Análise teológica; d) Análise
literária.[34]
Snodgrass, em sua excelente
obrar, sugere: a) Analise cada parábola de forma completa; b) Ouça a parábola
sem pressuposições referentes à sua forma e significado; c) Lembre-se que as
parábolas de Jesus era instrumentos orais em uma cultura oral; d) Se desejamos
conhecer a intenção de Jesus, precisamos procurar ouvir a parábola da mesma
forma que uma pessoa da Palestina a ouviria naquela época; e) Observe como cada
parábola e o formato da sua redação se encaixam com o objetivo e o esquema de
cada evangelista; f) Determine especificamente a função da história nos
ensinamentos de Jesus; g) Interprete o que foi expresso no texto, não o que foi
omitido. Qualquer tentativa de interpretar uma parábola com base naquilo que
está ausente encontra-se, quase que certamente, fadada ao fracasso; h) Dedique
uma atenção especial à regra da ênfase final; i) Observe onde os ensinamentos
da parábola se mesclam com os ensinamentos de Jesus em outras porções das
Escrituras; j) Determine a intenção teológica e o significado da parábola.[35]
Para um maior aprofundamento
dos professores e alunos nas questões aqui colocadas, sugerimos a aquisição das
obras citadas. O espaço e propósito dos subsídios não permitem discussões e
exposições mais prolongadas e exaustivas.
Após tratarmos aqui introdutoriamente
do conceito, problemas e dicas interpretativas relacionadas com as parábolas de
Jesus, seguiremos avante, estudando cada parábola proposta nas lições bíblicas
da CPAD deste 4º trimestre de 2018, esperando em Deus contribuir com cada
professor que tiver acesso ao presente conteúdo, buscando em tudo a edificação
dos santos e a glória de Deus.
[1]
SNODGRASS, Klyne. Compreendendo todas as parábolas de Jesus. Rio de Janeiro:
CPAD, 2010, p. 53.
[2]
VIRKLER, Henry A. Hermenêutica avançada: Princípios e processos de
interpretação bíblica. São Paulo: Vida, 1987, p. 126.
[3] JEREMIAS,
J. As parábolas de Jesus. 10ª Ed. São Paulo: Paulos, 2007, p. 9.
[4] SNODGRASS,
Klyne. Ibid., p. 73.
[5]
Ibid., p. 32.
[7]
Ibid., p. 34.
[8]
JEREMIAS, J. Ibid., p. 13.
[9]
Ibid.
[10]
SNODGRASS, Kline, Ibid., p. 36.
[11]
LOCKYER, Herbert. Todas as parábolas da Bíblia. São Paulo: Editora Vida, 1999,
p. 11-12.
[12]
JEREMIAS, J. Ibid., p. 9.
[13]
PLUMMER, Rob. 40 questões para se interpretar a Bíblia. São José dos Campos,
SP: Fiel, 2017, p. 116.
[14]
BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD,
2003, p. 124.
[15]
SNODGRASS, Klyne. Ibid., p. 27
[16]
LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura
Cristã, 2004, p. 130.
[17]
Ibid., p. 161.
[18]
PLUMMER, Rob. Ibid., p. 123-124.
[19]
BENTHO, Esdras Costa. Ibid., p. 125-126.
[20]
SNODGRASS, Klyne. Ibid., p. 29-30.
[21]
JEREMIAS, J. Ibid., 13.
[23]
SNODGRASS, Klyne. Ibid., p. 28.
[24]
SNODGLASS, Klyne . Ibid., p. 30-31
[25]
JEREMIAS, J. Ibid., p. 9.
[26]
LOCKYER, Herbert. Ibid., p. 19-20.
[27]
JEREMIAS, J. Ibid., p. 15.
[28]
PLUMMER, Rob.
[29]
ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica: Meios de descobrir a verdade da Bíblia.
São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 10.
[30]
VIRKLER, Henry A. Ibid., p. 9.
[31]
Ibid., p. 11.
[32]
OLIVEIRA, Raimundo F. Como estudar e interpretar a Bíblia. Rio de Janeiro:
CPAD, 1986, p. 50-51.
[33]
PLUMMER, Rob. Ibid., p. 404-411.
[34]
VIRKLER, Henry A. Ibid., p. 127-132.
[35]
SNODGRASS, Klyne. Ibid., p. 57-65.
4 comentários:
Como sempre brilhante.
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que tem iluminado pessoas dispostas a manter a bandeira da verdade bíblica livres de qualquer tradição interpretativa denominacional. Pastor Altair Germano tem sido um exemplo para minha geração no comprometimento da boa interpretação Bíblica. Forte abraço.
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que tem iluminado pessoas dispostas a manter a bandeira da verdade bíblica livres de qualquer tradição interpretativa denominacional. Pastor Altair Germano tem sido um exemplo para minha geração no comprometimento da boa interpretação Bíblica. Forte abraço.
Ministro Altair Germano,Qual a Bíblia de Estudo o Senhor Recomenda?
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