"Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade." (2 Tm 2.15, ARA)
Foi ministrando em diversas Escolas
Bíblicas de Obreiros nas Assembleias de Deus no Brasil, que descobri o quanto a
grande maioria de nossos pastores e líderes desconhecem as questões que envolvem a
tradução da Bíblia para a língua portuguesa, e de forma mais específica aqui tratada, a do Novo
Testamento.
No contexto assembleiano
brasileiro, a versão da Bíblia adotada para fins litúrgicos e doutrinários, é a
Almeida Revista e Corrigida, cujo texto foi adotado pela Casa Publicadora das
Assembleias de Deus, em suas publicações oficiais.
A questão que levanto aqui,
diz respeito a continuidade da Almeida Revista e Corrigida na condição de
versão “oficial” das Assembleias de Deus no Brasil, tendo em vista as mais
novas descobertas no campo da crítica textual do Novo Testamento.
Até que ponto, em nome de
uma tradição denominacional, ou por outras questões, como por exemplo, a
política eclesial, deve-se negligenciar tal discussão, diante das enormes
evidencias e descobertas na atualidade?
Para a presente discussão,
convidamos a todos que se interessam pelo tema, principalmente pastores, biblistas,
linguistas, teólogos e pesquisadores, no sentido de colaborarem com suas opiniões,
fundamentados no vasto material bibliográfico e crítico, disponível em língua
portuguesa.
O
DESENVOLVIMENTO DO TEXTO DO NOVO TESTAMENTO DA BÍBLIA ALMEIDA REVISTA E
CORRIGIDA
João Ferreira de Almeida
nasceu em Torre de Tavares, próximo a Lisboa, em 1628. Deixou Portugal aos 14
anos de idade, partindo para a Holanda, e de lá para Málaca, nas índias
Orientais. No Oriente, Almeida passou a congregar na Igreja Reformada Holandesa,
sendo ordenado ao ministério no dia 16 de outubro de 1658. Sua educação
teológica se deu com aulas particulares. Almeida não freqüentou Seminário ou
Faculdade de Teologia.[1]Exerceu o pastorado na
cidade de Batávia, na ilha de Java, até setembro de 1689, vindo a falecer em
1691, aos 63 anos de idade.[2]
A tradução do Novo
Testamento a partir do texto grego foi concluída por Almeida em 1670, vindo a
ser publicado somente em 1681, onde se calcula uma tiragem de mais de mil
exemplares, visto que a terceira edição, de 1972, foi de apenas 1250
exemplares.[3]
Uma parte da página 336 (parte de João 18) do Novo Testamento grego de Erasmo de Roterdã, do primeiro "Textus Receptus"
Do processo de tradução de
Almeida as informações são bastante escassas. Naquela época, o texto grego do
Novo Testamento disponível era o Textus Receptus
(publicado originalmente por Erasmo de Roterdã, em 1516, com base em alguns
poucos manuscritos gregos do século doze e treze).[4]
Se Almeida usou a mais recente edição desse texto, logo se deduz que seu
processo de tradução partiu da segunda edição publicada pelo irmãos Elzevir, em
1633. Foi através de Elzevir que o texto de Erasmo recebeu o nome de Textus Receptus, oriundo da seguinte
descrição feita pelo mesmo: “O que tens aqui, pois, é o texto que hoje é
universalmente recebido: nós o apresentamos livre de quaisquer alterações e
corrupções.”[5]
O Textus Receptus chegou a ser
considerado como tendo autoridade canônica, apesar de todos os seus erros, à
luz do que se sabe na atualidade.[6] Além do texto grego,
Almeida se utilizou para a sua tradução de versões da língua espanhola,
francesa, italiana, holandesa e latina.[7]
As edições que se seguiram a
tradução de Almeida publicada em 1681 são as de 1693, composta por João Vries,
na cidade da Batávia, em Java Maior. Após a terceira edição, publicada em 1712,
foi feita uma grande revisão, também na ilha de Java, tendo como membros da
Comissão revisora o pastor Mohr e um amigo anônimo. Outra revisão foi feita em
Londres, entre 1869 e 1875, e em 1894. Uma pequena revisão ortográfica foi
realizada em 1916 em Portugal. Essas edições de Almeida foram trazidas ao
Brasil e aqui distribuídas pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira.[8]
No Brasil, em sua Edição
Revista e Corrigida, houve revisões do texto de Almeida, onde as edições datam
de 1848 (1ª edição), 1969 (2ª edição), 1995 (3ª edição) e 2009 (4ª edição).[9] As novidades da 4ª edição
de Almeida Revista e Corrigida são:
- O termo “caridade”, nas
passagens em que era utilizado (1 Co 13, Mt 24.12, Rm 12.9, Ef 5.2, etc) foi
substituído por “amor”;
- O “S.” de “Santo” ou “São”
que aparecia anteposto aos nomes dos escritores bíblicos foi eliminado;
- Alguns verbos foram
alterados para refletirem com mais exatidão e clareza o sentido do texto
original grego, como por exemplo, em 1 João 3.4, 6, 8, 9;
- Foram incorporadas as
mudanças previstas na reforma ortográfica da língua portuguesa, vigente a
partir de 2009.
O
DESENVOLVIMENTO DO TEXTO DO NOVO TESTAMENTO DA BÍBLIA ALMEIDA REVISTA E ATUALIZADA
No ano de 1943, a Sociedade
Bíblica Britânica e Estrangeira juntamente com a Sociedade Bíblica América, que
atuavam no Brasil naquele tempo, resolveram preparar e publicar uma revisão da
tradução de Almeida. Essa revisão, que, a partir de 1948, passou aos cuidados e
responsabilidade da Sociedade Bíblica do Brasil, viria a ser conhecida como a
Almeida Revista e Atualizada. A Comissão de revisão contou com biblistas e
vernaculistas de renome, membros das mais diversas denominações evangélicas
presentes no Brasil por ocasião dos trabalhos. A revisão do Novo Testamento foi
publicada em 1952. A revisão do Antigo Testamento foi concluída em menos tempo,
em 1956, pois uma comissão se dedicou a essa tarefa em tempo integral. A Bíblia
toda foi publicada em 1959. A 2ª segunda edição de Almeida Revista e Atualizada
foi publicada, no Brasil, em, 1993.[10] O texto vigente da 2ª
edição de Almeida Revista e Atualizada já está em conformidade com a reforma
ortográfica de 2009.
Uma das principais
diferenças entre as edições Revista e Corrigida e Revista e Atualizada diz
respeito ao texto grego adotado como base para a tradução do Novo Testamento.
Como já mencionamos, no século XVII, Almeida dispunha apenas do Textus Receptus (Texto Recebido), que
tem sua origem no Novo Testamento grego editado por Eramo de Roterdã, em 1516,
e baseado em alguns poucos manuscritos gregos copiados durante a Idade Média. O
texto recebido era o único texto grego disponível naquele tempo.[11]
A 4ª edição do Novo Testamento Grego
Durante os séculos 19 e 20,
foram descobertos manuscritos gregos mais antigos, muitos deles datados do
quarto século d.C. e até mesmo antes disso. Foi com Karl Lachman (1793-1851),
um professor de filologia clássica em Berlim, que se iniciou os questionamento
sobre a continuidade da relevância do Textus
Receptus como base das traduções do Novo Testamento: "Fora com o Textus
Receptus, que é de origem mais recente, e de volta ao texto da Igreja antiga do
quarto século!”. Este lema marcou o trabalho das gerações seguintes, que
culminou nos dias atuais com a 4ª edição revisada do Novo Testamento Grego, publicada
pelas Sociedades Bíblicas Unidas, em 1993. As edições anteriores do Novo
Testamento Grego (The Greek New Testament)
datam de 1966 (1ª edição), 1968 (2ª edição) e 1975 (3ª edição).
A Comissão que revisora da atual edição do Novo Testamento Grego partiu da elaboração de uma seleção textual totalmente nova, fundamentada em testes de verificação de toda a tradição manuscrita grega disponível no Instituto de pesquisa Textual do Novo Testamento, em Münster, na Alemanha. O critério para se aceitar o testemunho de versões e Pais da Igreja foi a disponibilidade de toda a evidência confiável para o texto do Novo Testamento que estes apresentam, à base da pesquisa erudita de nossos dias.
A 4ª edição do
Novo Testamento Grego, juntamente com a 27ª edição de Nestle-Aland, é a mais
conhecida e mais usada por comissões de tradução da Bíblia em todo mundo.[12] Os especialistas afirmam
que, a menos que se descubram novos manuscritos, o estudo do texto do Novo
Testamento Grego está concluído.
Foi exatamente a partir da 16ª
edição do Novo Testamento Grego editado por Erwin Nestle, considerado o melhor texto grego na
época, que a Almeida Revista e Atualizada foi elaborada.[13]
Se o texto grego para a
versão de Almeida Revista e Atualizada é melhor que o texto grego utilizado
para a Almeida Revista e Corrigida, qual a razão, enquanto denominação, em insistirmos no uso “oficial” de uma versão comprovadamente já superada, em relação ao que hoje temos como texto mais próximo dos originais do Novo Testamento?
Estariam os especialistas equivocados? Fazem eles parte de uma "conspiração" contra o Textus Receptus como alguns acusam? Estão eles a serviço de meros interesses comerciais ou institucionais? Até que hajam provas no sentido de desqualificar os especialistas envolvidos na produção do atual texto crítico do Novo Testamento, penso ser de extrema urgência ponderar e agir em relação às questões aqui levantadas e consideradas.
Sequenciaremos nossa
discussão, apresentando as principais diferenças textuais entre as versões
Almeida Revista e Corrigida e Almeida Revista e Atualizada, e suas implicações
para a interpretação e exposição (pregação e ensino) do Novo Testamento nos dias
atuais, em especial no contexto pentecostal assembleiano brasileiro, para quem originalmente escrevo.
Pr. Altair Germano
Abreu e Lima-PE, 31/05/2014
[1]
ALVES, Herculano. João Ferreira de Almeida, tradutor da Bíblia in A tradução da Bíblia para a língua
portuguesa: 325 anos da 1ª edição do Novo Testamento em português.
Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2007, p. 23-24.
[2] SCHOLZ,
Vilson. Bíblia de Almeida: sua origem, as revisões e os princípios envolvidos in 1600
anos da primeira grande tradução ocidental da Bíblia: Jerônimo e a tradução
da Vulgata Latina. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 7-11.
[3]
Ibid., p. 9-10.
[4]
ALAND, Kurt; ALAND, Barbara. O texto do Novo Testamento: introdução às edições
científicas do Novo Testamento Grego bem como à teoria e prática da moderna
crítica textual. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013, p. 5.
[5]
Ibid., p. 6.
[6]
Ibid., p. 8.
[7]
ALVES, Herculano. Ibid., p. 24-32.
[8]
SCHOLZ, Vilson. Ibid., p. 18-20.
[9]
Bíblia de Estudo Palavras-Chave Hebraico e Grego. Rio de Janeiro: CPAD, 2011.
[10]
Bíblia de Estudo Almeida. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.
[11]
Ibid.
[12] O
Novo Testamento Grego: com introdução em português e dicionário
grego-português. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.
[13] Bíblia
de Estudo Almeida. Ibid.
Um comentário:
Excelente explanação Pr Altair Germano, aprecio seus comentários! Deus te abençoe ricamente
Postar um comentário