Na medida em que a Igreja de
Jesus se expandia, houve a necessidade de que um governo devidamente organizado
fosse estabelecido. Sobre isso nos diz Berkhof:
Enquanto
que Cristo delegou poder à Igreja como um todo, também providenciou para que
este poder fosse exercido ordinária e especificamente por órgãos
representativos, separados para a manutenção da doutrina, do culto e da
disciplina.[1]
Discorrendo sobre o assunto,
Grudem nos alerta que a forma de governo da igreja não é uma doutrina central
como a trindade, a divindade de Cristo, a expiação vicária, ou autoridade das
Escrituras. Dessa forma, em razão também da falta de dados mais claros no Novo
Testamento, as divergências de modelos presentes no curso da história e na
atualidade são inevitáveis.[2]
O governo da Igreja existe a
partir da concessão soberana e graciosa de dons do Espírito para tal serviço:
[...]
tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia,
seja segundo a proporção da fé; se ministério, dediquemo-nos ao ministério; ou
o que ensina esmere-se no fazê-lo;ou o que exorta faça-o com dedicação; o que
contribui, com liberalidade; o que
preside, com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria.
(Rm 12.6-8, ARA)
O termo grego traduzido por
“preside” é proistámenos, que
significar liderar, dirigir, cuidar de, prover.[3] Transmite a ideia de estar
no primeiro lugar[4],
ou ainda de “influenciar outros de tal forma que sigam um procedimento
recomendado”.[5]
A
uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar,
profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois,
dons de curar, socorros, governos,
variedades de línguas. (1 Co 12.28, ARA)
O termo “governos”,
traduzido do grego kyberneséis,
inclui a ideia de um dom que habilita à liderança e administração[6]. Refere-se literalmente à
pilotagem de um navio. Estando plural, o termo indica “provas de habilidade
para manter uma posição de liderança na igreja”.[7] O dom de governos ou
liderança, pode implicar em algumas línguas na capacidade dada por Deus de
influenciar pessoas, fazendo com que elas voluntariamente se tornem seguidoras.[8]
E
ele mesmo concedeu uns para apóstolos,
outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres,
com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para
a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do
pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da
estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos,
agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina,
pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro.
(Ef 4.11-14)
A lista de Efésios 4.11 é
intitulada geralmente de “Dons Ministeriais”, como no caso da Bíblia de Estudo
Pentecostal, que oferece a seguinte definição: “Este versículo alista os dons
de ministério (i.e., líderes espirituais dotados de dons) que Cristo deu à
igreja”[9] , tendo com objetivo
preparar o povo de Deus para o trabalho cristão e para o crescimento e
desenvolvimento espiritual do corpo de Cristo. Outro termo utilizado para
classificar a referida lista é “Ministérios de Liderança”.[10]
Considerando o tema, Williams
nos adverte para o fato de que num sentido mais amplo e genérico, qualquer que
seja o lugar que alguém ocupe na igreja de Jesus Cristo, deve ser considerado
um ministro, ou seja, aquele que serve, do grego diakonos.[11]
Voltando ao sentido mais
específico do termo “Ministério”, temos a designação de alguém comissionado
para desempenhar algum serviço no âmbito da liderança na igreja, devidamente
reconhecido por esta, mediante a sua ordenação pública.
Lembrai-vos
dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e,
considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram. [...] Obedecei aos vossos guias e sede
submissos para com eles; pois velam
por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria
e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros. (Hb 13.7, 17, ARA)
O termo “guia”, do grego hegoumévon, traduz a ideia de conduzir,
dirigir, liderar, comandar. Estes devem comunicar a palavra de Deus e cuidar
(vigiar, velar) da alma dos discípulos, enquanto são honrados com obediência,
confiança, rendição (Gr. peíthesthe)
e submissão, sujeição (Gr. hypeíkete)[12]
As
Formas de Governo Eclesiástico ao Longo da História
A estrutura governamental na
Igreja Primitiva constituía-se originalmente dos discípulos e por um único
ministério de liderança, ocupado pelos apóstolos (At 1.15-26). Com o
crescimento do número de discípulos surgiram dificuldades, e com elas a
necessidade de um corpo auxiliar de “ministros” ou “oficiais”, designados de
bispos, presbíteros, e diáconos. (At 6.1-7; 14.21-23; 15.6,22; 16.4; 20.17-18,
28-35; Fp 1.11; Tm 3.1-13; Tt 1.5-9; 1 Pe 5.1-4; 2.25). As grandes decisões da
igreja eram tomadas com a participação dos oficiais e dos discípulos (At 1.15-26;
6.1-6; 15.6-12, 22-28).
O segundo século foi marcado
pela ascensão e primazia dos bispos sobre os outros presbíteros, considerados
sucessores diretos dos apóstolos. O primeiro a defender tal ideia foi Inácio de
Antioquia, mas Irineu de Lion é quem fortaleceu
as suas bases através do ensino, encorajando assim a institucionalização das
estruturas da igreja.[13] O caminho estava aberto
para em meado do século VI, Gregório, o Grande, bispo de Roma, ser considerado
o primeiro papa da então Igreja Católica, o bispo sobre os demais bispos da
igreja.
Ao longo dos séculos, e mais especificamente
após a reforma Protestante, a igreja adotou várias formas ou sistemas de
governo, onde dentre os quais se destacam:
- O Episcopal: O governo é
centralizado num líder acima de todos os demais líderes ou oficiais, tendo por
base a ideia da sucessão apostólica;
- O Congregacional: O
governo é centralizado nos membros da igreja. Os oficiais são meros empregados
para a função de ensino, e para atenderem as necessidades administrativas
estabelecidas pelos membros;
- O Presbiteriano: O governo
é centralizado num conselho representativo ou presbitério, eleito pela igreja
local.
O
Governo Eclesiástico nas Assembleias de Deus no Brasil
O sistema de governo
assembleiano é predominantemente episcopal, mas não no sentido estrito ou
radical do termo, visto que os ministros auxiliares, presbíteros, e inclusive a
própria igreja de forma geral, participam de algumas decisões sobre questões
administrativas e eclesiais.
Uma grande ênfase na
hierarquia é dada, onde os pastores estão no topo da pirâmide entre os oficiais
da igreja, e os cooperadores ou auxiliares oficiais na base dela. Tal modelo é
resultado da influência dos sistemas de governos eclesiásticos das igrejas
alcançadas pelo Movimento Pentecostal no Brasil, junto com a perspectiva
teológica eclesial dos pioneiros e missionários suecos. Sobre a concepção
pentecostal sueca de governo eclesial e funções ministeriais, escreve Araújo:
No
pentecostalismo sueco, o crente que tivesse o propósito de se tornar um
pregador pentecostal e chegar ao topo da coletividade deveria se matricular
numa escola bíblica. Depois de ter aulas sobre interpretação bíblica e
homilética, além de outros assuntos, o aluno tornava-se um evangelista, apto
para explicar o texto bíblico em hebraico e grego. Com o título de
“evangelista”, ele deveria sair ao campo dentro do país. Mulheres também podiam
se tornar evangelistas ou missionárias, mas não lhes era permitido ser
“pregadora”. Era importante que o evangelista se tornasse um “sacerdote
assistente”, ao lado de um pastor conhecido. Desta forma, seria mais fácil para
ele também ficar conhecido. Isso lhe era necessário em relação a promoções
futuras.Era importante também que o evangelista atuasse como pregador da igreja
durante algumas semanas. Com isso, ele passava a fazer parte da coletividade de
pregadores e era reconhecido como tal. Quando era incluído no caminho da
promoção, ele recebia uma “convocação”, e não era mais chamado de evangelista,
mas de ”pregador”. Depois disso, ele podia ser convocado para ser um “bispo”
(pastor). Então, ele permanecia no último e fundamental posto. Ele deveria ser
um divulgador vibrante da obra. Era reconhecido por Estocolmo e deveria manter
sua posição e comunhão com a comunidade de pregadores pentecostais.[14]
A narrativa acima ajuda-nos
a entender, em primeiro lugar, que o ensino teológico, incluindo o domínio
das línguas originais da Bíblia, fazia parte do preparo do obreiro sueco. Os
missionários suecos que cooperaram na implantação e expansão das Assembleias de
Deus no Brasil se enquadravam neste perfil.
Não foram eles, com certeza, que fomentaram no meio assembleiano a
aversão ao estudo da teologia. Aliás, a grande questão nunca foi a
necessidade ou não de preparo teológico dos obreiros nacionais, mas
onde, e de que forma isso se daria.
Em segundo lugar, se
evidencia as origens históricas e conceituais da grande ênfase dada no contexto
assembleiano brasileiro daquilo que podemos chamar de “plano de cargos e
carreira ministerial”, da “corrida” ou “disputa” pelo topo no ministério
eclesiástico, concepções que não encontram fundamento algum nas Escrituras.
Os
Oficiais nas Assembleias de Deus no Brasil
Os oficiais da igreja são
pessoas publicamente reconhecidas como detentoras do direito e da
responsabilidade de desempenhar certas funções para o benefício de toda a
igreja.[15]
Não há também uniformidade
na igreja cristã evangélica sobre os ofícios. Dependendo do modelo de governo,
tais ofícios ou títulos variam. Tal
variação, na prática, diz respeito à forma de escolha dos candidatos (por
indicação ou eleição), no método de ordenação ou consagração, na nomenclatura
dos cargos, na disposição hierárquica, e nas atribuições dos oficiais.
Alguns estudiosos consideram
os termos pastor, bispo e presbítero como sinônimos[16], enquanto outros
consideram funções distintas.[17] Desde a Reforma
Protestante, a Igreja evangélica, ao referir-se ao seu líder pastoral local,
passou a utilizar o título de pastor.[18]
No contexto assembleiano, De
forma geral, excetuando-se alguns casos em certas regiões do país, os oficiais
da igreja são denominados e classificados como Pastores, Evangelistas,
Presbíteros, Diáconos e Cooperadores ou Auxiliares Oficiais.
As bases teóricas e
argumentativas para a distinção nas Assembleias de Deus no Brasil, entre os que
são chamados de “Ministros” (pastores e evangelistas), diferenciando-os dos
presbíteros, foram lançadas pelo missionário e evangelista sueco Nils Kastberg:
O
missionário sueco Nils Kastberg escreveu, em seu artigo “Os presbíteros”,
publicado no Mensageiro da Paz de agosto de 1936, p. 2, 2ª quinzena, que a
Bíblia mostra, “com toda clareza”, que há duas qualidades de presbíteros. Uma
qualidade é a de apóstolos, pastores e ensinadores que também são presbíteros,
com base em Ef 4.11 e 1 Pe 5.1, e nos “anjos” das sete cartas do apocalipse,
que, em primeiro lugar, tinham responsabilidade pelo trabalho na igreja. Esta
classe de presbítero mencionada nestes textos bíblicos, segundo Kastberg, é a
que, em geral, representa os que são chamados inteiramente para o ministério, e
que têm o seu sustento, completo ou em parte, da igreja onde trabalham, ou de
outra igreja que queiram, por algum motivo, auxiliar, ou seja, aquela que o
presbítero dirige como pastor.[19]
O pensamento de Kastberg
veio a influenciar as resoluções convencionais em torno da questão. Em 1937, na
Assembleia de Deus em São Paulo-SP, após intensos debates, os convencionais
compreenderam, com base nos textos de 1 Pedro 5.1, Atos 20.28 e 1 Timóteo 5.17,
que, em certos casos, parecia haver uma diferença entre anciãos e anciãos com
chamada ao ministério, e estabeleceram, assim, a hierarquia eclesiástica que
até hoje prevalece nas Assembleias de Deus no Brasil.[20]
Na Convenção Geral de 1946,
realizada na Assembleia de Deus em Recife-PE, foi aprovado que só poderiam
assistir as sessões convencionais “os missionários, pastores e evangelistas”,
enquanto “os auxiliares, presbíteros e diáconos” só poderiam tomar parte “com a
devida recomendação de seus respectivos pastores e sem direito à votação”.[21]
Dessa forma, estava
sacramentada nas Assembleias de Deus no Brasil, a ideia de que ministros
(pastores e evangelistas) e presbíteros não pertenciam à mesma “classe” ou
“categoria” ministerial, na condição de oficiais da igreja. O presbítero,
dentro deste modelo governamental eclesiástico, passou a ser compreendido como
o penúltimo cargo a ser exercido na sucessão de ordenações, antes de ser
consagrado à evangelista ou pastor.[22]
A
Essência do Governo Eclesiástico ou da Liderança Cristã
O governo ou liderança
exercido na igreja, independente de modelos ou sistemas governamentais, e de
terminologias funcionais, se fundamenta no serviço voluntário ao próximo,
associado a uma vida santa e exemplar dos seus oficiais:
Então,
Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os governadores dos povos os dominam e
que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo
contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e
quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do
Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em
resgate por muitos. (Mt 20.25-28, ARA)
Rogo,
pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos
sofrimentos de Cristo, e ainda co-participante da glória que há de ser
revelada: pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por
constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância,
mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes,
tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar,
recebereis a imarcescível coroa da glória. (1 Pe 5.1-4)
Sigamos fielmente o exemplo
do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, para a glória de Deus (1 Co 10.31).
[1]
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática.
São Paulo: Cultura Cristã, 1990, p. 537.
[2]
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática:
atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 758.
[3]
HAUBECK, Wilfrid; SIEBENTHAL, Heinrich. Nova Chave Linguística do Novo Testamento
Grego: Mateus-Apocalipse. São Paulo: Targumim/Hagnos, 2009, p. 984.
[4]
RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego.
São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 277.
[5]
LOUW, Johannes; NIDA, Eugene. Léxico
Grego-Português do Novo Testamento: baseado em domínios semânticos.
Barueri-SP: SBB, 2013, p. 415.
[6]
HAUBECK, Wilfrid; SIEBENTHAL, Heinrich. Ibid.,
p. 1030.
[7]
RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Ibid.,
p. 318.
[8]
LOUW, Johannes; NIDA, Eugene. Ibid.,
p. 415.
[9]
Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p. 1814.
[10]
ARAÚJO, Carlos Alberto R. de. A Igreja
dos Apóstolos: conceito e forma das lideranças na Igreja Primitiva. Rio de
Janeiro: CPAD, 2012.
[11]
WILLIAMS, J. Rodman. Teologia Sistemática:
uma perspectiva pentecostal. São Paulo: Vida, 2011, p. 879.
[12] Bíblia
de Estudo Palavras-Chave: hebraico-grego. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 2347 e
5228.
[13] FERREIRA,
Franklin; MYATT, Alan. Teologia
Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto
atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 919-920.
[14] ARAÚJO,
Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p.
714.
[15]
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática:
atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 759.
[16]
STITIZINGER, James F. O Ministério
Pastoral na História, in MACARTHUR JR., John. Ministério Pastoral:
alcançando a excelência no ministério cristão. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p.
56.
[17]
ARAÚJO, Carlos Alberto R. de. Ibid.,
p. 114.
[18]
ARAÚJO, Carlos Alberto R. de Ibid.,
p. 97.
[19] ARAÚJO,
Isael de. Ibid.,p. 716.
[20]
DANIEL, Silas.História da Convenção geral
das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004, p. 135.
[21] ARAÚJO,
Isael de. Ibid.
[22] ARAÚJO,
Isael de. Ibid.
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