Sendo
Noé lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho, embriagou-se e se
pôs nu dentro de sua tenda. Cam, pai de
Canaã, vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos. Então, Sem e Jafé tomaram uma capa,
puseram-na sobre os próprios ombros de ambos e, andando de costas, rostos
desviados, cobriram a nudez do pai, sem que a vissem. Despertando Noé do seu
vinho, soube o que lhe fizera o filho mais moço e disse: Maldito seja Canaã;
seja servo dos servos a seus irmãos. E ajuntou: Bendito seja o SENHOR, Deus de
Sem; e Canaã lhe seja servo. Engrandeça Deus a Jafé, e habite ele nas
tendas de Sem; e Canaã lhe seja servo. (Gn 9:20-27)
A embriaguez compromete a
decência e a honra, e mesmo que casual, aponta para algum nível de
intemperança, falta de moderação. A Bíblia é clara sobre isto (Gn 19:30-36; Pv
23: 29-35; Pv 31:4-7; Ef 5:18). Mas não é sobre o tema embriaguez que queremos
aqui tratar. É sobre a atitude de Cam diante da embriaguez de seu pai
Noé, que faremos um breve comentário.
Se eu pudesse fazer algumas
perguntas para Cam sobre o episódio, dentre elas estariam:
- Cam, por qual motivo você não
tratou com discrição a embriaguez de seu pai?
- Cam, você pensou que seria
estigmatizado como conivente com o estado de embriaguez de seu pai?
- Cam, você agiu no sentido
de demonstrar ter um senso ético e moral que não admitia em hipótese alguma a
embriaguez de seu pai como algo que deveria passar despercebido?
- Cam, você expôs seu pai ao
ridículo de modo não intencional, como menino ou jovem imaturo que era?
- Cam, o que você acha da
atitude dos seus irmãos, que além de cobrir a nudez de seu pai, ainda temeram
contemplá-la, desviando os seus olhos dela?
- Cam, você tinha alguma
questão pessoal contra seu pai, e viu no episódio uma forma de vingar-se?
- Cam, você se arrependeu do
que fez?
Muitas outras perguntas eu poderia
fazer a Cam, mas fico por aqui. Onde quero chegar? Quero chegar ao fato de que
a atitude de Cam, assim como os princípios que ela quebra, continua tão atual
quanto foi nos tempos bíblicos.
A linha divisória entre a
defesa da ética e o desrespeito é muito tênue. No campo da liderança, e mais
especificamente em se tratando de lidar com a autoridade, precisamos ter
cuidado para não sermos contaminados pela síndrome de Cam.
Quando nossos líderes erram,
ou quando apenas entendemos de forma subjetiva que eles erraram, como agimos?
Os tratamos como trataríamos nossos pais? E como tratamos nossos pais quando
eles erram? Saímos até a sala e falamos para toda a família sobre o seu erro?
Vamos até a rua e gritamos para todos saberem sobre a conduta reprovável de nossos
pais? Ou procuramos de forma discreta e respeitosa ajudá-los no sentido de
reparar o erro?
A atitude de Cam foi reprovada,
pois foi insensata. A maldição que lhe veio é a prova disso. Quem vive faltando
com o respeito à autoridade não serve para exercer autoridade, será sempre alguém
incapaz de comandar e liderar.
Devemos ser omissos diante
dos erros daqueles que estão investidos de autoridade sobre nós? É claro que
não. Mas então o que significa não ser omisso? No meu entendimento, não ser
omisso é procurar de forma respeitosa e digna tratar do erro da autoridade.
Trabalhar no sentido de ajudar a autoridade a restaurar a sua força moral, e
não procurar denegrir a sua imagem, ou se insurgir contra ela. Eis o nosso
dever.
A narrativa bíblica de
Gênesis 9:20-27 se enquadra bem naquilo que o apóstolo Paulo escreveu:
“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja
perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra.” (2 Tm 3:16-17,
ARA)
E ainda:
“Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito,
a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos
esperança.” (Rm 15:4)
Devemos primar pela ética e
pela moral na liderança, mas a grande questão é como fazer isso. Deus está te
usando profeticamente em atos ou palavras para uma autoridade, ou você está se
usando insubordinadamente para a autoridade? Discernir tais questões é
fundamental.
Vale também destacar que o
episódio acontece no âmbito privado, ou seja, Noé se encontrava bêbado e nu
dentro da sua tenda, no contexto da vida em família. Até onde podemos entender pelo
texto, não se tratou de um escândalo
público, e mesmo se assim o fosse, o caso deveria ser tratado sempre com o
interesse da restauração moral da autoridade, e não com o propósito de denegrir
sua imagem, de acabar com a sua reputação, de mumificar o seu caráter como mal,
com base num fato isolado no contexto de toda uma vida. Deus afirmou sobre Noé:
“[...] reconheço que tens sido justo diante de mim no meio desta geração.” (Gn
7:1). Jesus o cita como referência de uma geração (Mt 24:37). Pedro o declara
pregador da justiça (2 Pe 2:5).
Fujamos da síndrome de Cam, não
provocando mais sofrimento e vergonha à autoridade, além daqueles que a sua própria
falha já lhe atormenta.
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