Durante todo o 1º Trimestre
de 2013 estudaremos na Escola Bíblica Dominical sobre “Elias e Eliseu: Um
Ministério de Poder para toda a Igreja”, através das Lições Bíblicas da CPAD. A
Lição foi escrita pelo pastor e amigo José Gonçalves, que gentilmente
convidou-me para prefaciar o livro “Porção Dobrada: Uma análise bíblica,
teológica e devocional sobre os ministérios proféticos de Elias e Eliseu”, que
servirá de recurso de leitura e pesquisa para superintendentes, professores e
alunos.
Mudando um pouco de assunto,
quero anunciar que há uma previsão de que até o final da primeira quinzena de
janeiro/2013, a CPAD lance mais uma obra de nossa autoria. Trata-se do livro
“Pedagogia Transformadora”, que terá como objetivo oferecer diretrizes para que
uma grande revolução aconteça nos processos educativos que se desenvolvem na
Escola Dominical, e isso através da observação, análise e contextualização da
prática pedagógica do Mestre dos mestres, Jesus. Anúncio feito, vamos agora comentar
um pouco dos principais temas envolvidos nesta primeira lição do trimestre.
AS
CAUSAS DA APOSTASIA
Para que um processo de
apostasia (gr. apostásis,
afastamento, abandono premeditado e consciente da fé cristã) alcance níveis ou
proporções gigantescas, uma série de fatos se sucede. Os grandes desastres,
calamidades, tragédias e quedas se iniciam com “pequenas” concessões,
acomodações e descuidos na vida espiritual, que acabam com o passar do tempo se
manifestando na vida moral de pessoas, comunidades e povos. Na base destas
concessões, acomodações e descuidos está o afastamento da leitura e estudo das
Escrituras, e a falta de regularidade na prática da oração. A história de
Israel, da igreja e da vida pessoal dos filhos de Deus nos prova isso.
O contexto histórico onde
Elias e Eliseu atuaram vivia as calamidades resultantes de anos de negligência
e distanciamento de Deus e da sua Palavra (Escrituras e intervenções
proféticas), alcançando uma condição deplorável e sem antecedentes (1 Rs 16.30-33).
Havia uma crise sem igual instaurada, e que diante do alto nível de apostasia
alcançado, já tinha conseguido entorpecer a consciência de reis, sacerdotes,
profetas e da grande maioria do povo.
OS
EFEITOS DA APOSTASIA
Os efeitos da apostasia nos
dias de Elias e Eliseu se manifestaram de forma concreta em diversas áreas da
vida nacional e pessoal em Israel.
O distanciamento de Deus e
de sua Palavra fez com que Acabe, que na condição de líder da nação deveria ser
exemplo para a mesma, andasse nos pecados de Jeroboão (v.31). Jeroboão, filho
de Nebate, efraimita de Zereda, e cuja mãe era mulher viúva, ocupou o lugar que
o Senhor lhe tinha reservado. O Senhor tinha lhe dito o seguinte:
“Se ouvires tudo o que eu te ordenar, e andares nos meus caminhos, e fizeres
o que é reto perante mim, guardando os meus estatutos e os meus mandamentos,
como fez Davi, meu servo, eu serei contigo, e te edificarei uma casa estável,
como edifiquei a Davi, e te darei Israel”. (1 Rs 11.38, ARA)
Para manter-se na condição
de rei, e contar com a contínua bênção de Deus, Jeroboão só precisava obedecer
aos mandamentos e estatutos do Senhor, e seguir as suas orientações.
Um fato, porém, começou a
preocupar e a intrigar Jeroboão. Uma vez que a Casa do Senhor, lugar de
adoração, se encontrava em Jerusalém, e que esta estava sob o governo de
Roboão, pensou o seguinte:
“Se este povo subir para fazer sacrifícios na Casa do Senhor, em
Jerusalém, o coração dele se tornará a seu senhor, a Roboão, rei de Judá; e me
matarão e tornarão a ele, ao rei de Judá.” (1 Rs 12.27)
Observe que o pensamento
racional de Jeroboão colocava em dúvida a palavra e a fidelidade daquele que
lhe escolhera, que lhe estabelecera na condição de rei, e que lhe fizera
promessas de estabilidade, o Senhor. Jeroboão passou a entender que a sua
permanência no governo dependia primeiramente (e talvez exclusivamente) do
estado do coração do povo, e não da soberana vontade de Deus. Dessa forma,
precisaria dar um “jeito” de impedir tal coisa. Em sua loucura, em vez de cair
de joelhos diante do Senhor, confessando a sua incredulidade e pedindo-lhe uma
direção, buscou conselhos com quem não tinha condições de sabiamente lhe
orientar (1 Rs 12.28).
A conduta de Jeroboão e
Acabe é um claro retrato de situações que são vivenciadas nos dias atuais, onde
líderes, diante do medo de serem removidos dos lugares que Deus os colocou
(partindo deste pressuposto), agem de acordo com as suas racionalizações, e
passam a seguir as orientações de conselheiros em pior situação espiritual que
a deles. Em vez de confiarem em Deus, e de buscar a direção do altíssimo,
buscam um caminho alternativo. Neste caminho alternativo, seguem a lógica
maquiavélica de que os fins justificam os meios quando a posição do “príncipe”
é aparentemente ameaçada.
No caso de Jeroboão, ele
ofereceu ao povo um culto alternativo, que implicava na prática de idolatria a
deuses alternativos (1 Rs 12.28-30), construiu nos altos santuários
alternativos (1 Rs 12.31a) e constituiu sacerdotes alternativos, que não eram
filhos de Levi (1 Rs 12.31b). Para finalizar, marcou dia e mês, e fez uma
grande festa para celebrar a sua insensatez. Foram nestes pecados que Acabe
andou, e em seus dias o culto ao Senhor foi também trocado pelo culto aos
falsos deuses, onde Baal ganhou destaque (1 Rs 16.31-32).
Para não perder o seu
“reinado” ou ampliar o seu “reino”, alguns líderes na atualidade oferecem
cultos e lugares sagrados alternativos ao povo, onde a adoração a Deus é
banida, e o foco se volta para os “objetos sagrados” ou para as “necessidades
humanas”. Em alguns casos os cultos são usados para atrair novos “clientes”,
onde conforto, comodidade e segurança são oferecidos aos participantes. Deus
deixou de estar no centro das atenções e da razão de ser de muitos cultos, dos
hinos e das mensagens.
Com a neopentecostalização
dos cultos, Deus deixou de ser servido e virou servo de dirigentes, pregadores
e crentes. O objetivo dos cultos neopentecostalizados é apenas receber de Deus,
e quando alguma coisa é dada (geralmente dinheiro), a razão última é o retorno
deste ato em forma de “bênçãos” para consumo próprio. É a idolatria aos bens,
às riquezas e às coisas. Os ídolos modernos também estão nos púlpitos
(pregando, ensinando e cantando). O culto precisa voltar a ser de Deus, por Ele
e para Ele.
Para administrar e ministrar
nos lugares sagrados e em seus cultos alternativos, os tais líderes da
atualidade promovem uma seleção de candidatos, que devem enviar o seu
currículo, e assim, caso aprovados, são aproveitados como “sacerdotes
alternativos”. Os “sacerdotes alternativos” se multiplicam a cada ano, uma vez
que que o perfil bíblico não é por muitos observado. Não importa mais a chamada
(ou vocação espiritual), mas o voto na convenção, o carisma, o lucro e o
desempenho dos “sacerdotes alternativos”.
Mesmo sendo punido e
advertido pelo Senhor, Jeroboão resolveu seguir o seu caminho:
“Depois destas coisas,
Jeroboão ainda não deixou o seu mau caminho; antes, de entre o povo tornou a
constituir sacerdotes para lugares altos; a quem queria, consagrava para
sacerdote dos lugares altos”. (1 Rs 13.33, ARA)
Infelizmente, há líderes,
igrejas e pessoas que por mais que sejam alertados, não se converterão dos seus
pecados. Para estes, o juízo divino é inevitável (1 Rs 13.34; 14.7-16). A única alternativa de livramento é o arrependimento (1 Rs 21.27-29).
A “mistura” ganha destaque
com o casamento de Acabe com Jezabel. O Novo Testamento trata da questão do
casamento misto em relação aos cristãos.
“Não vos prendais
a um jugo desigual com os infiéis; porque que sociedade tem a justiça com a
injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas?” (2 Co 6.14)
O texto de 2
Coríntios 6.14 nos apresenta alguns princípios que devem nortear as associações
entre cristãos e não-cristãos (fiéis e infiéis, justiça e injustiça, luz e
trevas, crentes e incrédulos, salvos e perdidos). Observemos alguns termos para
uma compreensão maior das questões aqui envolvidas.
- Jugo desigual
(gr. eterodzygountes). Associar de maneira irregular ou
discordante.[1] Juntar
animais que precisam de jugos diferentes por que são de espécies diferentes
(cf. Dt 22.10; Lv 19.19). O conceito de jugo era usado em relação ao casamento
e em relação aos professores que concordavam em sua doutrina. Um casamento
misto ou cooperação com alguém que tenha pensamentos diferentes era considerado
ser “jugo desigual”.[2] Formar
um par desigual, ser posto na canga com um animal diferente.[3] Paulo
emprega o verbo heterozygeo, que se aplica ao emparelhamento de
tipos diferentes de animais em Lv 19.19. C. K. Barrrett traduz assim: “Não
deveis entrar em arreio duplo com os descrentes”.[4]
- Incrédulos
(gr. apístois), Descrente.[5]
É importante atentar
para o fato de que o alerta feito por Paulo vai para além das relações
matrimoniais. Sobre isto Coenen e Brown comentam:
A totalidade do
contexto e do argumento de 2 Co 6:14 e segs., porém, parece olhar além dos
casamentos mistos, para a idolatria e a impureza de modo geral (cf. C. K.
Barret, op. cit., 196), embora um casamento misto pudesse levar a semelhante
idolatria e impureza.[10]
Não está aqui
presente a ideia de um cristianismo sectário, onde todo e qualquer contato e
relações com os incrédulos fossem reprovadas. Sobre isto Paulo escreveu:
Já por carta vos
tenho escrito que não vos associeis com os que se prostituem; isso não quer
dizer absolutamente com os devassos deste mundo, ou com os avarentos, ou com os
roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do
mundo. Mas, agora, escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se
irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou
roubador; com o tal nem ainda comais. (1 Co 5.9-11)
Como se pode
observar, a preocupação do apóstolo Paulo é sempre com o tipo de associação,
que por seu alto grau de intimidade pode corromper a fé e a santidade do
crente: “Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes”.
(1 Co 15.33).
Coenen e Brown
afirmam que:
O cristão deve
permanecer no mundo, sem, porém, tomar parte na idolatria e na impureza moral.
Assim o crente nunca deve ser culpado da fornicação (1 Co 5:9-10). Deve trazer
seus assuntos diante da igreja ao invés de levar o irmão crente aos
tribunaisseculares (1 Co 6.1-6). Não deve deliberadamente entrar num casamento
misto com um descrente, mas, se, um dos cônjuges de um casamento que dantes era
pagão torna-se cristão, o casamento não deve ser dissolvido simplesmente por
causa disto, pois o crente santifica o casamento, cônjuge descrente pode ser
conquistado para Cristo (1 Co 7:12-16, 39). [...] Noutras palavras, Paulo não
defende uma separação exclusiva do mundo. Os crentes devem permanecer no mundo
procurando ganha-lo para Cristo. Não devem, no entanto, permitir que a sua fé
seja comprometida de qualquer modo, especialmente pela idolatria pagã e os seus
costumes sexuais dos pagãos. A conversão significa um rompimento com o mundo (1
Co 6.9 e segs.).[11]
Ainda tratando da
associação do crente com o infiel, a Bíblia de Estudo Pentecostal oferece o
seguinte comentário ao texto de 2 Co 6.14:
Diante de Deus, há
apenas duas categorias de pessoas: as que estão em Cristo e as que não estão.
[...] O crente, portanto, não deve comunhão ou amizade íntima com o incrédulo,
porque tais relacionamentos corrompem sua comunhão com Cristo. Neste contexto
estão as sociedades nos negócios, as ordens secretas (Maçonaria), namoro e
casamento com os incrédulos. A associação entre o cristão e o incrédulo deve
ser o mínimo necessário à convivência social ou econômica, ou com o intuito de
mostrar ao incrédulo o caminho da salvação.[12]
No Comentário Bíblico
Pentecostal do Novo Testamento lemos que:
Voltando a questão
específica do casamento misto, sua proibição está explícita no Antigo
Testamento (Dt 7.1-14; Nm 36.6, Ne 13.23-29), e o princípio que norteia a sua
aplicação na vida do cristão exposto nas passagens do Novo Testamento aqui
comentadas.
Dessa forma, seja por
paixão, interesse financeiro ou coisas semelhantes a estas, a quebra deste
princípio poderá promover problemas no relacionamento do casal e na educação de
seus filhos, que poderão ter uma séria crise de identidade, vivendo sob o
dilema de seguir a fé cristã piedosa de um dos pais, ou a crença na
religião, no ateísmo ou ceticismo do outro.
A apostasia é um
perigo real. Que a Bíblia continue sendo a nossa única regra de fé. Nem os
nossos sentimentos, muito menos a pressão cultural que a igreja sofre, deve nos
remover de tão sólido fundamento.
A QUESTÃO DA PERDA DA
IDENTIDADE
A perda da identidade
nacional e espiritual nos dias de Elias e Eliseu é também comentada na Lição.
Partindo diretamente para uma contextualização e aplicação da questão, vejamos
alguns aspectos da “crise de identidade denominacional”.
Viajando por nosso
país, participando de convenções regionais e nacionais, conversando com alguns
companheiros de ministério, e acompanhando os últimos acontecimentos nas
Assembleias de Deus no Brasil, fico a pensar se existe ainda uma “identidade
nacional” na denominação.
No dicionário de
Aurélio Buarque de Holanda, a definição de identidade que nos cabe é a
seguinte:
[Do lat. tard. identitate.] S. f. “O aspecto coletivo
de um conjunto de características pelas quais algo é definitivamente
reconhecível, ou conhecido.”
Sempre existiu nas Assembleias de Deus no Brasil, falo aqui especificamente,
das igrejas cujos ministros são filiados a CGADB, características que davam uma
ideia de certa “identidade nacional”, mesmo que em alguns lugares houvesse
algum tipo de peculiaridade cultural local. Destaco aqui 04 (quatro)
características marcantes: Os usos e costumes, a liturgia, o corpo ministerial
e a doutrina. Observemos o quadro atual:
1. Usos e Costumes –
Há regiões onde as irmãs pintam o cabelo, se maquiam, usam brincos, colares,
pulseiras, pintam as unhas, usam calça comprida, etc. Já em outras regiões,
tais práticas, ou pelo menos algumas delas, são motivos para disciplina e até
exclusão.
2. Liturgia – Danças, palmas, assovios e coreografias já estão presentes em
vários cultos assembleianos realizados por este Brasil afora. Os hinos da harpa
cristã, o hábito de dar glória a Deus e aleluia, a conduta “tradicional” no
culto, são mantidos em outros. Não conseguimos um modelo litúrgico único nem na
ministração da “Santa Ceia”.
3. Corpo Ministerial
– Os cargos eclesiásticos e ministeriais ficam também a mercê da conveniência
local. O conjunto de cargos básicos que envolvem o auxiliar oficial, o diácono,
o presbítero, o evangelista e o pastor, nem sempre se apresentam em sua
totalidade ou com a mesma funcionalidade. A apresentação de diaconisas não é
ponto pacífico, e o caso mais extremo é o da ordenação de pastoras.
4. Doutrina – Parece
que em meio a tudo isso, a única coisa que ainda resiste, mas com muita
dificuldade, é no campo doutrinário conforme pode-se observar em nossas doutrinas básicas e credo.
A resolução do
Plenário da Convenção Geral da 38ª. Assembleia Geral Ordinária da CGADB, realizada
em São Paulo, 18 de abril de 2007, em decorrência da “constatação de constantes
desvios dos princípios doutrinários e dos bons costumes das Assembleias de Deus
no Brasil, principalmente no que diz respeito à introdução de doutrinas
heréticas, de movimentos ecumênicos, da quebra da liturgia dos cultos, da
introdução de músicas profanas, de grupos de dança e teatro e outros,
contrariando, assim, a fundamentação doutrinária que sempre norteou a
denominação”, foi uma boa iniciativa para tentar manter certos parâmetros para a nossa identidade. Na prática a resolução não é observada e ficou obsoleta.
Duas questões
precisam ser discutidas e respondidas:
- O que significa ser
um assembleiano no Brasil do século XXI?
- É possível uma
"identidade nacional" diante de uma notória e crescente regionalização
de identidades?
Vale ressaltar, que a
maior das identidades, a que está acima de qualquer rótulo denominacional, é a
identidade de cristão, de filho de Deus, que manifesta em sua vida o amor a
Deus, ao próximo e a si mesmo. A identidade do cristão é também caracterizada
pelo poder e fruto do Espírito, pelos carismas e pelo caráter em sua vida.
A apostasia no Reino
de Israel dos tempos de Elias e Eliseu é um alerta para todos nós.
Jundiaí-SP, 21/12/2012
[2] RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave
linguística do Novo Testamento grego. São Paulo: Vida Nova, 1995, p.
350-351.
[3] HAUBECK, Wilfrid; SIEBENTHAL, Heinrich. Nova
chave linguística do Novo Testamento grego. São Paulo:
Targumim/Hagnos, 2009. p. 1059.
[4] COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000,
p. 1099.
[13] ARRINGTON, French L.; STRONSTAD, Roger. Comentário Bíblico
Pentecostal: Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p.
1099-1100.
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